quinta-feira, 17 de setembro de 2009

II

Olhando fundo nos olhos dele, viu que pareciam perdidos, distantes. Recordou quando os vira pela primeira vez. Eram luz numa manhã cinza, eram o repouso depois de uma longa viagem. Mergulhou nas lembranças do primeiro dia. Seu olhar também começava a se perder.
Ainda era noite quando chegou ao aeroporto, ligou para os pais e falou que estava tudo bem e logo iria para a rodoviária. Discou o segundo número, falou o mesmo, só a respiração era diferente. Era pesada, profunda.
Havia mais algumas pessoas, naquela salinha, que pegariam o mesmo transporte. Ele sairia apenas à meia-noite. Sentou-se, colocou os fones nos ouvidos e fechou os olhos.
Achou ter adormecido, abriu os olhos quando tocaram seu ombro avisando que logo partiriam. Agradeceu, levantou-se depressa e seguiu para o ônibus. Nem precisava, as outras pessoas sequer haviam levantado. Já com todos dentro, seguiram caminho. Não foi uma viagem longa, mas a espera, a partir de agora, seria. Não só porque o outro transporte só sairia à três da manhã, mas porque seriam as últimas horas de uma espera que parecia ter sido de uma vida. Que foi de uma vida inteira.
Estava com fome, não comera nada desde quando saiu de casa. Comprou um lanche e comeu. Depois colocou os fones novamente, fechou os olhos e adormeceu. Despertou perto das três horas, com uma luz forte. O ônibus havia chegado. Notou que batia os queixos, não estava acostumada com aquele frio.
Acomodou-se em seu assento e esperou todos fazerem o mesmo. Observava cada passageiro e imaginava quantos deles a acompanhariam até o seu destino. Uma senhora gorda que já estava dentro do ônibus roncava alto; um garoto de sua idade com fones de ouvido; sua vizinha de cadeira era uma mulher adulta, séria e que parecia ter sempre algo fétido por baixo do nariz; um homenzinho alegre, pregando a "Palavra do Senhor" para alguns fiéis sentados próximos (eram uns oito e ocupavam os primeiros lugares); um homem com óculos grandes, meio calvo, perto dos seus quarenta anos e sua filha que não parava de perguntar "vai chegar logo, papai?"; logo atrás, uma jovem de pouco mais de vinte anos com um bebê no colo.
Observou tanto cada passageiro que nem percebeu já estar em movimento. Olhou para trás e viu ainda um casal de idosos rezando um rosário juntos, um grupo de quatro adolescentes - duas moças e dois rapazes - tão parecidos que julgou serem primos. Não deixou de perceber, também, dois policiais, até respirirou mais aliviada.
Gastou muito tempo analisando os passageiros um a um, mas ainda tinha muito chão pela frente. Suas mãos suavam, apesar do frio. Tirou o celular do bolso, releu algumas mensagens, cada uma delas fazia seu coração bater mais forte.
Vez ou outra o ônibus parava em uma rodoviária. Ali passava alguns minutos e voltava à estrada. Logo na segunda parada, sua vizinha de cadeira desceu e foi substituída por uma velhinha simpática demais para as cinco da manhã.
Percebeu que não iria se livrar da senhorinha tagarela se não fingisse estar dormindo. Virou a cabeça para o lado da janela e fechou os olhos. Não queria adormecer, mas depois de passar um bom tempo ouvindo os ruídos do ônibus, mergulhou em sono profundo.
Acordou apenas quando o bebê começou a chorar. Ajeitou-se no assento, ainda meio atordoada e consultou o relógio. Faltava pouco para as oito. Abriu um largo sorriso e desejou que pudesse acender um cigarro. Agora era uma questão de pouco tempo.

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