A luz forte dos faróis do ônibus quase cegaram seus olhos, mas ele tinha medo de fechá-los e, quando os abrisse, tudo não ter passado de um sonho.
Os passageiros desciam lentamente do veículo já parado na garagem. De repente, se viu cercado de muitas pessoas que também esperavam alguém chegar. O pastor ao seu lado foi o primeiro a se retirar, após receber sete ou oito fiéis com muitos gritos de "Aleluia!" e "Paz do Senhor, irmão". Depois foram buscar as malas e deram espaço para os outros passageiros desembarcarem.
Vira, em seguida, um casal jovem e com aparência cansada de pós-viagem. Esses foram recebidos por um casal mais velho e um rapazinho de uns 15 anos. Ouviu algum comentário sobre "a barriga que já estava aparecendo", mas não deu importância. Não conseguiu tirar os olhos da porta por onde desciam as outras pessoas.
Um homem que passou rápido e sozinho, que não foi recebido por ninguém e sequer foi buscar as malas, foi o próximo.
Uma família de quatro pessoas desceu logo em seguida; o pai carregando uma menininha adormecida no colo e a mãe com um bebê chorando, atrás. Se espantou com como parecia grande a diferença de idade dos dois. Depois sorriu ao pensar como isso é irrelevante diante do amor.
Num tempo que pareceu uma eternidade, viu o esboço das duas próximas pessoas: à frente uma senhora que olhava para trás e falava sem parar (até receou que a pobrezinha errasse os degraus da escada), mas logo esqueceu a velhinha. Como se não houvesse mais nada ao seu redor, olhava apenas o semblante que tanto aguardava vindo logo atrás dela.
De tênis e jeans, mochila, uma camiseta conhecida, um casaco aberto por cima e as mãos agasalhadas, a única coisa visível era seu rosto.
A pele quase branca, olhos castanhos contornados por um preto já um pouco borrado e por trás de lentes transparentes de um óculos com armação quadrada. Lábios de cor rosada que sorriam largamente. Cabelos lisos e quase pretos descendo até o meio das costas, emolduravam aquela face. E uma franja caindo sobre o lado direito da testa. Ela parecia emanar uma luz própria, mais forte que o sol, ainda escondido naquela manhã. Agora, tudo parecia mais iluminado.
Não parecia ter passado apenas alguns segundos, mas uma eternidade, e ela já estava ali, na sua frente. Até os olhos dela sorriam.
- Tá frio, né? - Uma voz fraca trazendo uma sotaque puxado e uma melodia suave encheram de alegria seus ouvidos...
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
II
Olhando fundo nos olhos dele, viu que pareciam perdidos, distantes. Recordou quando os vira pela primeira vez. Eram luz numa manhã cinza, eram o repouso depois de uma longa viagem. Mergulhou nas lembranças do primeiro dia. Seu olhar também começava a se perder.
Ainda era noite quando chegou ao aeroporto, ligou para os pais e falou que estava tudo bem e logo iria para a rodoviária. Discou o segundo número, falou o mesmo, só a respiração era diferente. Era pesada, profunda.
Havia mais algumas pessoas, naquela salinha, que pegariam o mesmo transporte. Ele sairia apenas à meia-noite. Sentou-se, colocou os fones nos ouvidos e fechou os olhos.
Achou ter adormecido, abriu os olhos quando tocaram seu ombro avisando que logo partiriam. Agradeceu, levantou-se depressa e seguiu para o ônibus. Nem precisava, as outras pessoas sequer haviam levantado. Já com todos dentro, seguiram caminho. Não foi uma viagem longa, mas a espera, a partir de agora, seria. Não só porque o outro transporte só sairia à três da manhã, mas porque seriam as últimas horas de uma espera que parecia ter sido de uma vida. Que foi de uma vida inteira.
Estava com fome, não comera nada desde quando saiu de casa. Comprou um lanche e comeu. Depois colocou os fones novamente, fechou os olhos e adormeceu. Despertou perto das três horas, com uma luz forte. O ônibus havia chegado. Notou que batia os queixos, não estava acostumada com aquele frio.
Acomodou-se em seu assento e esperou todos fazerem o mesmo. Observava cada passageiro e imaginava quantos deles a acompanhariam até o seu destino. Uma senhora gorda que já estava dentro do ônibus roncava alto; um garoto de sua idade com fones de ouvido; sua vizinha de cadeira era uma mulher adulta, séria e que parecia ter sempre algo fétido por baixo do nariz; um homenzinho alegre, pregando a "Palavra do Senhor" para alguns fiéis sentados próximos (eram uns oito e ocupavam os primeiros lugares); um homem com óculos grandes, meio calvo, perto dos seus quarenta anos e sua filha que não parava de perguntar "vai chegar logo, papai?"; logo atrás, uma jovem de pouco mais de vinte anos com um bebê no colo.
Observou tanto cada passageiro que nem percebeu já estar em movimento. Olhou para trás e viu ainda um casal de idosos rezando um rosário juntos, um grupo de quatro adolescentes - duas moças e dois rapazes - tão parecidos que julgou serem primos. Não deixou de perceber, também, dois policiais, até respirirou mais aliviada.
Gastou muito tempo analisando os passageiros um a um, mas ainda tinha muito chão pela frente. Suas mãos suavam, apesar do frio. Tirou o celular do bolso, releu algumas mensagens, cada uma delas fazia seu coração bater mais forte.
Vez ou outra o ônibus parava em uma rodoviária. Ali passava alguns minutos e voltava à estrada. Logo na segunda parada, sua vizinha de cadeira desceu e foi substituída por uma velhinha simpática demais para as cinco da manhã.
Percebeu que não iria se livrar da senhorinha tagarela se não fingisse estar dormindo. Virou a cabeça para o lado da janela e fechou os olhos. Não queria adormecer, mas depois de passar um bom tempo ouvindo os ruídos do ônibus, mergulhou em sono profundo.
Acordou apenas quando o bebê começou a chorar. Ajeitou-se no assento, ainda meio atordoada e consultou o relógio. Faltava pouco para as oito. Abriu um largo sorriso e desejou que pudesse acender um cigarro. Agora era uma questão de pouco tempo.
Ainda era noite quando chegou ao aeroporto, ligou para os pais e falou que estava tudo bem e logo iria para a rodoviária. Discou o segundo número, falou o mesmo, só a respiração era diferente. Era pesada, profunda.
Havia mais algumas pessoas, naquela salinha, que pegariam o mesmo transporte. Ele sairia apenas à meia-noite. Sentou-se, colocou os fones nos ouvidos e fechou os olhos.
Achou ter adormecido, abriu os olhos quando tocaram seu ombro avisando que logo partiriam. Agradeceu, levantou-se depressa e seguiu para o ônibus. Nem precisava, as outras pessoas sequer haviam levantado. Já com todos dentro, seguiram caminho. Não foi uma viagem longa, mas a espera, a partir de agora, seria. Não só porque o outro transporte só sairia à três da manhã, mas porque seriam as últimas horas de uma espera que parecia ter sido de uma vida. Que foi de uma vida inteira.
Estava com fome, não comera nada desde quando saiu de casa. Comprou um lanche e comeu. Depois colocou os fones novamente, fechou os olhos e adormeceu. Despertou perto das três horas, com uma luz forte. O ônibus havia chegado. Notou que batia os queixos, não estava acostumada com aquele frio.
Acomodou-se em seu assento e esperou todos fazerem o mesmo. Observava cada passageiro e imaginava quantos deles a acompanhariam até o seu destino. Uma senhora gorda que já estava dentro do ônibus roncava alto; um garoto de sua idade com fones de ouvido; sua vizinha de cadeira era uma mulher adulta, séria e que parecia ter sempre algo fétido por baixo do nariz; um homenzinho alegre, pregando a "Palavra do Senhor" para alguns fiéis sentados próximos (eram uns oito e ocupavam os primeiros lugares); um homem com óculos grandes, meio calvo, perto dos seus quarenta anos e sua filha que não parava de perguntar "vai chegar logo, papai?"; logo atrás, uma jovem de pouco mais de vinte anos com um bebê no colo.
Observou tanto cada passageiro que nem percebeu já estar em movimento. Olhou para trás e viu ainda um casal de idosos rezando um rosário juntos, um grupo de quatro adolescentes - duas moças e dois rapazes - tão parecidos que julgou serem primos. Não deixou de perceber, também, dois policiais, até respirirou mais aliviada.
Gastou muito tempo analisando os passageiros um a um, mas ainda tinha muito chão pela frente. Suas mãos suavam, apesar do frio. Tirou o celular do bolso, releu algumas mensagens, cada uma delas fazia seu coração bater mais forte.
Vez ou outra o ônibus parava em uma rodoviária. Ali passava alguns minutos e voltava à estrada. Logo na segunda parada, sua vizinha de cadeira desceu e foi substituída por uma velhinha simpática demais para as cinco da manhã.
Percebeu que não iria se livrar da senhorinha tagarela se não fingisse estar dormindo. Virou a cabeça para o lado da janela e fechou os olhos. Não queria adormecer, mas depois de passar um bom tempo ouvindo os ruídos do ônibus, mergulhou em sono profundo.
Acordou apenas quando o bebê começou a chorar. Ajeitou-se no assento, ainda meio atordoada e consultou o relógio. Faltava pouco para as oito. Abriu um largo sorriso e desejou que pudesse acender um cigarro. Agora era uma questão de pouco tempo.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
I
Era tão difícil deixá-la ali, no mesmo local onde, há quase um mês, tinha testemunhado seu sorriso e suas lágrimas pela primeira vez.
Recordava-se agora, daquela manhã de julho. Chovia fino às cinco da madrugada. Estava acordado desde cedo, ou melhor, não pregara os olhos por toda a noite.
O frio daquela manhã quase congelava o que estava na rua. Tomou um café forte, fumou um cigarro, tentou matar o tempo. Consultou o relógio. Ainda faltava muito para as oito. Não se importou, pegou o casaco pendurado na cadeira e saiu.
Deixou o carro na garagem. O tempo ainda estava nublado, mas já não chovia. Iria a pé até onde conseguisse, precisava que o tempo passasse o mais rápido possível. Era longe, ele sabia, mas nenhuma distância seria maior do que a suportada até então.
O vento era cortante, e chegava a queimar. Subiu o zíper do casaco até o pescoço, agasalhou bem as mãos e pôs-se a andar. Não sabia quanto e nem por quanto tempo estava caminhando, sentiu alguns pingos de chuva voltando a cair.
Abrigou-se sob o teto do estacionamento de uma padaria sem clientes, reconheceu estar quase no meio do caminho. Acendeu um cigarro e esperou até que passasse um táxi.
Não precisou esperar tanto. A simpática dona do estabelecimento ofereceu-se para chamar um taxista de sua confiança para levá-lo ao seu destino. Quando jogou fora a bituca do cigarro, um alegre senhor grisalho dirigindo uma carro quase tão velho como ele, acabara de chegar. Agradeceu à senhora, despediu-se e entrou o veículo. Tinha cheiro de coisa velha. Não questionou. Era quente e seco ali dentro, além disso, não tinha mais tanto tempo assim.
O velho saiu do carro, trocou algumas palavras com a amiga e voltou.
- Bom dia! - disse sorrindo - rodoviária?
Apenas balançou a cabeça afirmando. Imaginou ter sido a amiga quem dera a informação. Ela tinha feito algumas perguntas enquanto esperavam. Para espantar o tédio, ele achava. Olhou pela janela e agradeceu por não precisar ouvir mais perguntas. O motorista estava sempre com um sorriso, tagarelava sobre como estava frio, falava alguma coisa sobre futebol, mas não fazia perguntas.
A cidade estava vazia. Apostou que muitas famílias aproveitaram as férias para sair do interior. Também era cedo, o frio convidava as pessoas a ficarem mais tempo na cama. Via as árvores passando junto com as casas. Era tudo tão especialmente cinza, naquela manhã.
Quando chegou ao seu destino, ainda faltava um pouco mais de um quarto de hora para as oito. Pagou a corrida, agradeceu e dispensou o motorista. Precisaria de um carro mais tarde, mas aquele senhor demasiadamente falante iria estragar seu momento de angústia e ansiedade até as oito horas. O velho agradeceu com um largo sorriso e desejou um bom dia.
Agora era apenas ele e os poucos minutos. Acendeu outro cigarro, o nervosismo precisava ser acalmado. Sentou-se em um banco de frente para a garagem e esperou.
Recordava-se agora, daquela manhã de julho. Chovia fino às cinco da madrugada. Estava acordado desde cedo, ou melhor, não pregara os olhos por toda a noite.
O frio daquela manhã quase congelava o que estava na rua. Tomou um café forte, fumou um cigarro, tentou matar o tempo. Consultou o relógio. Ainda faltava muito para as oito. Não se importou, pegou o casaco pendurado na cadeira e saiu.
Deixou o carro na garagem. O tempo ainda estava nublado, mas já não chovia. Iria a pé até onde conseguisse, precisava que o tempo passasse o mais rápido possível. Era longe, ele sabia, mas nenhuma distância seria maior do que a suportada até então.
O vento era cortante, e chegava a queimar. Subiu o zíper do casaco até o pescoço, agasalhou bem as mãos e pôs-se a andar. Não sabia quanto e nem por quanto tempo estava caminhando, sentiu alguns pingos de chuva voltando a cair.
Abrigou-se sob o teto do estacionamento de uma padaria sem clientes, reconheceu estar quase no meio do caminho. Acendeu um cigarro e esperou até que passasse um táxi.
Não precisou esperar tanto. A simpática dona do estabelecimento ofereceu-se para chamar um taxista de sua confiança para levá-lo ao seu destino. Quando jogou fora a bituca do cigarro, um alegre senhor grisalho dirigindo uma carro quase tão velho como ele, acabara de chegar. Agradeceu à senhora, despediu-se e entrou o veículo. Tinha cheiro de coisa velha. Não questionou. Era quente e seco ali dentro, além disso, não tinha mais tanto tempo assim.
O velho saiu do carro, trocou algumas palavras com a amiga e voltou.
- Bom dia! - disse sorrindo - rodoviária?
Apenas balançou a cabeça afirmando. Imaginou ter sido a amiga quem dera a informação. Ela tinha feito algumas perguntas enquanto esperavam. Para espantar o tédio, ele achava. Olhou pela janela e agradeceu por não precisar ouvir mais perguntas. O motorista estava sempre com um sorriso, tagarelava sobre como estava frio, falava alguma coisa sobre futebol, mas não fazia perguntas.
A cidade estava vazia. Apostou que muitas famílias aproveitaram as férias para sair do interior. Também era cedo, o frio convidava as pessoas a ficarem mais tempo na cama. Via as árvores passando junto com as casas. Era tudo tão especialmente cinza, naquela manhã.
Quando chegou ao seu destino, ainda faltava um pouco mais de um quarto de hora para as oito. Pagou a corrida, agradeceu e dispensou o motorista. Precisaria de um carro mais tarde, mas aquele senhor demasiadamente falante iria estragar seu momento de angústia e ansiedade até as oito horas. O velho agradeceu com um largo sorriso e desejou um bom dia.
Agora era apenas ele e os poucos minutos. Acendeu outro cigarro, o nervosismo precisava ser acalmado. Sentou-se em um banco de frente para a garagem e esperou.
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